As evoluções ou retrocessos que acontecem no ambiente empresarial e no mercado, têm resultado em um processo de anomia (estado social de ausência de regras e normas) nas relações sociais e negociais, dificultando a convivência em torno da busca de objetivos corporativos, além de trazerem à cena uma dificuldade ética e decisória. Nesse contexto, ao desempenharmos nosso papel na sociedade ou nas organizações, procuramos agir de acordo com modelos construídos ao longo de nossa vida, por nossas experiências e vivências. E por estarmos inseridos em sociedades contemporâneas, é urgente, portanto, refletirmos sobre essa crescente demanda social por ética.
Mas como refletir sobre ética num ambiente em que os representantes da sociedade agem de forma antiética, a despeito de qualquer preocupação com os valores sociais, com os cidadãos, grupos ou com a sociedade? A impunidade decorrente de interpretações autocráticas e arbitrariedades, somadas a preconceitos e violações de direitos, faz aumentar a polarização de posições e a desconfiança sobre as relações individuais e sobre os sistemas social e governamental, trazendo para as empresas a pressão em relação à adoção de práticas de valores éticos e uma atuação responsável em relação aos colaboradores.
Diante desse quadro, somos naturalmente levados a refletir sobre o papel das empresas na sociedade: como sustentar a sua operação gerando lucro? Como manter os bons colaboradores motivados? Como promover propósitos estratégicos e de longo prazo? Como tomar decisões racionais nesse contexto? Estamos acuados. É notório que cada vez mais e a todo momento os gestores têm que se posicionar ante as mais diversas situações e sobre problemas que até há pouco não estavam presentes, baseando-se para isso, nas suas experiências anteriores, seus valores e crenças, seu perfil de caráter ou conhecimentos e habilidades técnicas, fatores que norteiam a forma pela qual tomamos decisões éticas.
A propósito, por força das circunstâncias e em número cada vez mais escasso, as decisões passaram a ser tomadas com base intuitiva, diferentemente de narrativas pacificadoras utilizadas para reduzir essa pressão nas atitudes, escolhas pessoais e na seleção das ações sensatas para realizar uma determinada tarefa em sociedade ou numa organização. Passou a ser importante considerar também que o papel dos administradores se torna cada vez mais relevante e primordial, uma vez que as decisões que tomam afetam direta ou indiretamente a vida das pessoas. A tomada de decisões passou a ser, contudo, um elo entre os perfis de ética e moralidade dos líderes empresariais e o decorrente impacto socioambiental nesse contexto.
Essas decisões são também influenciadas pelo próprio ambiente organizacional. No âmbito empresarial as decisões constituem o núcleo da responsabilidade administrativa. Cabe então ao administrador tomar decisões, o que denota selecionar entre as várias alternativas aquela que lhe pareça mais adequada ou oportuna. Não obstante, alguns fatores importantes influenciam a própria decisão dos líderes, que podem estar despreparados na capacidade de visão sistêmica e holística em relação aos processos decisórios, ou podem até utilizar esse contexto para colocar em prática um comportamento político, cujas decisões suportem seus interesses pessoais ou de equipes dentro das organizações. Essa seleção dentre algumas alternativas é fortemente influenciada pelo contexto operacional, mas principalmente pela cultura empresarial (uma espécie de personalidade corporativa) e seus desdobramentos.
Outro fator de influência na quantidade e na qualidade das decisões é o perfil de centralização do gestor, principalmente em empreendimentos familiares. Muitos gestores têm consciência da necessidade de adequação desse modelo a esse novo mercado, muito mais instável e competitivo, em que o conceito de ética já não é um atributo. Mas a receita de sucesso nesse ajuste depende de compreendermos o que leva a esse gap, senão vejamos: esse novo ambiente tornou os processos decisórios e empresariais mais complexos, que por sua vez trouxeram a necessidade de mais mudanças. Essas mudanças ocasionam mais instabilidade organizacional, pois alteram processos e relações. Essa instabilidade interna, costuma ser resolvida com mais ferramentas de controle e isso diminui a dependência da organização em relação aos perfis de liderança. Com menos necessidade de liderança, os colaboradores passaram a recorrer mais ao gestor principal para a tomada de decisão, o que reforça e retroalimenta o seu perfil de centralização. Estamos talvez andando na contramão de tudo o que é divulgado como modernidade em gestão empresarial?
Um ótimo indicador sobre esse aspecto são as dificuldades emergentes na gestão de pessoas e bem-estar social que as empresas passaram a enfrentar. Como no Brasil, mais de 90% das organizações são familiares e nessas empresas emprega-se mais de 70% da mão-de-obra que atua no mercado de trabalho, podemos dimensionar o tamanho do desafio. Todavia, a insegurança institucional desenvolvida internamente junto aos colaboradores por terem pouco acesso a uma cultura que normalmente costuma estar encoberta, ou ser de posse apenas do gestor principal, pode constituir um verdadeiro mise-en-scène organizacional, além de poder suscitar comportamentos políticos desse gestor por deter essas informações e colocar em prática valores pouco éticos junto aos comandados. De modo que o ambiente empresarial familiar é mais propenso aos problemas atinentes à ausência de transparência e ética, mas que possuem grande influência na economia e no desenvolvimento socioambiental do país, seja no âmbito local, regional ou nacional.
A vantagem competitiva de uma firma é obtida através do afinado vínculo entre as suas estratégias e as operações do negócio, incluindo seus colaboradores e processos. Por isso, a abordagem da gestão nas empresas familiares vem, portanto, e constantemente, gerando maior discussão em todos os sistemas de gestão de conhecimento, visando a obtenção, manutenção ou ampliação da vantagem competitiva dessas empresas para a sua sustentabilidade. Nesse sentido, a lógica de uma análise interna da empresa e dos fatores culturais, morais e éticos, se faz essencial para a compreensão profunda desses aspectos operacionais, referente ao desempenho e as capacidades da organização como um grande recurso de geração de valor para os empreendimentos, mas também para a sociedade.
Importantes autores e analistas apontam que estamos vivenciando uma crise do próprio sistema capitalista no mundo. E nesse sentido, é justamente a partir das tentativas, não raro frustradas, de sociedades organizadas em lidar com seus inerentes problemas sociais, que se abre uma grande oportunidade para as empresas repensarem seu próprio modelo/paradigma de atuação no mercado. Grande parte do problema está no fato de que as empresas necessitam compreender que estão “presas” em um modelo de geração de valor ultrapassado. A tríplice hélice de gestão que considera pessoas, processos e estrutura, é normalmente concebida pelos gestores de forma inversa: como o empreendimento surge de uma atitude de investimento, a estrutura é priorizada e os processos são ensinados, deixando as pessoas por último. Entretanto, a estrutura é uma consequência de processos organizados e executado por pessoas, indicando que nossos processos de gestão estão na contramão do sensato.
Os problemas e dificuldades são muitos. Mas esse cenário mais instável apresenta boas oportunidades para aquelas empresas preocupadas com a sua sustentabilidade. Se teimarmos em querer ajustar custeios antes de ajustarmos as receitas, não conseguiremos gerar o valor necessário para que a organização possa fazer escolhas, de planejamento inclusive. Por outro lado, se redefinirmos a produtividade de cada cadeia de valor, poderemos tranquilizar a organização para tomar decisões menos centralizadas, baseadas em princípios de competição analítica, com racionalidade de custeio, relações internas mais confiáveis e assim, atendendo aos interesses do bem-estar social.
Concluindo, podemos pontuar que com o amadurecimento organizacional, advindo principalmente da complexidade dos elementos de gestão corporativa e decisória em função das novas tecnologias e acesso da sociedade a ampla informação, surge também o desafio constante de renovar conceitos éticos, morais e de conduta, buscando soluções que, alinhadas com a estratégia da empresa, gerem valor compartilhado com retorno econômico tanto para o negócio, quanto para a sociedade. Se essa tarefa não fosse tão complexa, estaríamos inseridos num ecossistema muito mais colaborativo. De modo que reconhecer e capitalizar sobre essas conexões entre o progresso social e econômico, pode constituir o poder de desencadear uma próxima onda de crescimento em cada empresa, familiar ou profissionalizada, criando condições moralmente aceitas e eticamente responsáveis na geração e distribuição da riqueza dos negócios. Podemos começar decidindo a respeito.
Martin Ricardo Schulz
Consultor Organizacional
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